Tenho falado constantemente, sem qualquer arrogância, que as mulheres da minha família dão show de bola. Não se abatem com as rasteiras da vida. Seguram a onda, quando os homens há muito já abandonaram o barco. Grandes enredos emergem de nossas trajetórias pessoais, sofridas, cheias de lutas e preocupações, com os filhos, parceiros, trabalho, a saúde da família, com a grana, de um modo geral. Sei que essas coisas fazem parte das biografias de todas as mulheres, ou melhor dizendo, de todas as pessoas. Acontece que, com a turma 'lá de casa', a vida não tem sido generosa. E mesmo assim, ninguém fica sentada à beira do caminho.
Karina, minha sobrinha, é uma delas. Tem 23 anos e Maria Clara, de três, para criar. [Calma, não vou fazer um romance da 'casa das sete mulheres']. Basta falar do exemplo dela, que já é emblemático. A mãe de Karina, minha irmã, nunca trabalhou oficialmente. Ou melhor: sempre trabalhou a vida inteira, exclusivamente para o marido, na loja dele, sem receber salário, sem carteira assinada. Deixou duas faculdades para continuar trabalhando com/para ele. Uma atividade que não deixou nada consistente para nenhum dos dois. A muito custo e estudo, ela conquistou uma profissão, mas o que conseguiu como trabalho [não se pode chamar aquilo de emprego] ainda é precário. Karina, sua filha, seria economicamente dependente dela, se houvesse essa possibilidade. Se houvesse...
Karina faz bombons de chocolate para sobreviver. Delicados, frágeis, macios, simples. Os melhores que já experimentei, menos pela sofisticação e mais pela determinação e persistência.
Sei que milhares de mulheres também fazem assim. Mas, esta é especial, porque eu presencio o seu cotidiano, eu assisto à sua luta pela vida, sei o quanto custa cada chocolate que confecciona. Acorda cedo, organiza a filha antes de sair, vai para a faculdade; retorna ao meio dia, leva a filha à creche-escola, vai vender de porta-em-porta os chocolates; final da tarde, pega a filha na escola, janta com a filha e vai para outra faculdade.Quando retorna, ela faz e embala, sozinha, uma centena ou mais de bombons, um-a-um. Deixa limpa e organizada toda a cozinha - pequena, por sinal. Nessa operação, leva pelo menos três a quatro horas em pé, pois não sabe trabalhar sentada. No dia seguinte, acorda cansada, mas, inevitavelmente, começa tudo outra vez. Mudança de rotina? Bom, imprevistos acontecem, e quando não sobra tempo para os chocolates, eles são feitos de uma só vez no fim de semana.
Fico pensando, cá com meus botões... Os chocolates dela são muito apreciados, há uma demanda considerável, ela não pára de receber encomendas. E são tão deliciosos, sobretudo o de recheio de leite condensado com coco. Mas... Não são nada rentáveis. Ao contrário, a atividade é desgastante, cansativa. Desmorono todas as vezes em que a vejo trabalhando, fico tremendamente comovida com tamanho sacrifício. Algumas vezes, sem querer, ela já deixou a caixa dos bombons cair e quebraram-se todos.
Ontem, numa confeitaria, vi um bombom parecido, que custava o dobro do preço do de Karina. Fiquei mais tocada ainda. Pensei na precarização do trabalho, no grande contingente de Karinas que são chefe de família, na discriminação que sofrem, nas poucas oportunidades de trabalho que lhes são oferecidas, no enorme esforço que todas nós fazemos, e nos zilhões de sapos que temos de engolir para auferir os resultados ligeiramente próximos dos homens.
Quando estamos sentados, confortavelmente, num restaurante ou lanchonete, degustando nosso vinho, nosso prato preferido, o nosso petit gateau, nem sempre temos a consciência do talento e sacrifício humano agregados àquele trabalho. Nem de quando e se um dia as Karinas anônimas terão o seu valor reconhecido.
eh uma mulher de fibra a sua sobrinha. mas realmente a competicao eh desleal, com empregadores pagando uma miseria, e ela fazendo tudo sozinha... estou torcendo por ela, mesmo sem conhece-la. beijao,
Posted by: Fer Guimaraes Rosa | 20-08-2006 at 13:22
Olá, cheguei aqui neste instante por conta da busca de uma receita de nega maluca, e eis que me deparo com a "Saga da Karina". O que tenho a dizer é que...Vá em frente Karina, nenhun esforço honesto é vão. Eu tenho duas irmãs que também lutaram muito, mas muito mesmo (uma ficou viúva com apenas 21 anos, um filho de dois anos e outro na barriga. Com o 2º grau incompleto!). Ela conseguiu estruturar a própria vida, educar os filhos (bem, ela se casou depois mas, sempre foi, ela própria, o esteio da família), e, com muito esforço, construiu um patrimônio de fazer inveja a muitos doutores! O que lhe digo é: Persista. Jamais desanime nem tenha pena de si própria. Mantenha o bom humor e você também há de triunfar sobre as adversidades. No calor da batalha a gente não percebe que nossos passos estão nos conduzindo (centimetro por centímetro) ao nosso triunfo. Um dia, porém, chegamos ao pódio. Boa sorte!!
Posted by: Isabella | 21-08-2006 at 17:45
O post é ótimo. Os dois comentários, eu diria, perfeitos! O que mais escrever?
Eu fiz algo extraoridinário uma vez, em minha vida. E, espero, sinceramente que Voce também realize seu sonho. Realize o extraordinário. Boa Sorte Karina.
Posted by: Joelma | 23-08-2006 at 15:14
Nao sei como acabei por akih..Singelo e comovente este post e os demais que lih, muito gostosos de se ler.
Muita forca pra Karina e pra todas as Karinas que existem.
Parabens pela delicadeza como escreve:)
Bri
Posted by: Brisa | 09-09-2006 at 04:19
Olá.
Vim aqui xeretar receitas e acabei com lágrimas nos olhos. Que post bonito, que história para ser admirada com todo o coração.
Toda a sorte no mundo para a Karina!
Posted by: Patricia Scarpin | 11-09-2006 at 15:40
Posted by: KARINA LIMA DE SOUZA | 23-08-2007 at 07:59
OIe!! vim atraz de uma receita de chocolate caseiro,e encontrei uma linda lição de vida.As hístorias são iguais so mudam de endereço mesmo. Toda sorte e ventura pra voce Karina.
Posted by: Lilian Maria ledoux | 21-03-2010 at 16:51
Nossa que legal,,,temos quase a mesma história...deus abeçoe ricamente o seu trabalho. bjao karina
Posted by: karina | 16-04-2010 at 23:56
Muito bacana viu...Tava aqui procurando umas receitas para fazer e vender em casa,pois penso que estou grávida e ninguem vai querer me dar emprego por agora e meu amrido ta trabalhando muito para pagar as nossas contas e aluguel,fiquei muito motivada ao ler isso viu..Que Jesus abençoe a vida de todas vcs...
Posted by: Gleice | 11-08-2012 at 13:46