Precisava do colo da mamãe. Precisava do cheiro, dos ruídos, dos guizos da família. Precisava matar a fome de casa e a saudade do meu lugar. Precisava retornar ao antigo lar.
Daí, o sumiço, sem ao menos dar tchau. Eram tantas, tantas miudezas para resolver antes de partir, que não bloguei. Na véspera, deu blecaute aqui. Sim, ficamos no breu total, sem net, à luz de velas, por quase uma noite inteira.
Fomos (maridim, o filhote e eu) de carro, sete horas sem interrupção. Aliás, paramos uma vez, somente para abastecer. Como, meu filho e eu, estamos de dieta, abastecemos nossa lancheira de bananas, ameixas, tangerinas, iogurte, coca-light, o que nos garantiu uma boa jornada.
Em casa, a comidinha trivial, inesquecível, feita em casa, de Lady Laura: a saladinha frugal, a galinha de capoeira [caipira], a cajuína, o café fresquinho nas primeiras horas da manhã. O prazer de encontrar tudo como era antes. Até o carinho intocável.
Saí da dieta, obviamente.
E na rua, digo, no shopping, num selfservice, por sorte, encontrei um feijãozinho com pequi - que era o sabor mágico, onipresente, dos meus velhos tempos de Juazeiro. Podia vir misturado a qualquer coisa - arroz, feijão, carne -, mas tinha de ser com ele, o sabor e o aroma inigualável do meu Ceará. Adorava andar pelas ruas e sentir o cheiro que, pelas portas, frestas e janelas, emanava das panelas, das cozinhas de cada casa por onde passava. Cheiro de almoço. De comida caseira. Cheiro de pequi. Cheiro de casa com movimento, com gente, com vida. Cheiro do meu lugar.
E cá estou de volta, como se habitasse outro planeta. Preciso habituar-me à luz, às cores, aos novos aromas, ao tempero da Sandra. Felizmente, trouxe na bagagem um pequeno fardo: batida de engenho, rapadura, cajuína, coco catolé, queijo de manteiga [lembra o requeijão de Minas], manteiga da terra, tamarindo, erva-doce, canela em pau, abano para os churrascos, chapéu de romeiro [ótimo para praia]. Não trouxe pequi; havia poucos na feira, e não eram de boa qualidade.
Juazeiro é um celeiro de artefatos populares. Suas feiras livres e seu mercado ainda oferecem artigos que no resto mundo já foram banidos pela modernidade, ou objetos inusitados, feitos com novos materiais, mas à moda antiga.
Meu filho, por exemplo, comprou folhetos de cordel. Maridim comprou tintura de arnica e pomada Pe. Cícero [não me perguntem para que serve, e acho que nem ele sabe]. Na feira livre, fotografei lamparinas feitas com latas de leite condensado. Vi também fogareiros como este da foto.
De outras vezes anteriores, tenho trazido redes, canecos de alumínio, cuscuzeiras, panos de prato feitos de algodão [aqueles de sacos de farinha], ervas, doce caseiro, arroz vermelho, e o feijãozinho tradicional para o meu baião-de-dois. Com a dieta, a minha listinha de 'mercantil' [como são chamados no Ceará os supermercados] ficou bem restrita. E o coração pequenininho para tanta saudade.
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Fotos: Minhas: 1. Lamparina; 2. Coco catolé, da feira livre de Juazeiro do Norte; 3. Foto de Iatã -Fogareiro de lata de tinta, feito por artesãos de Juazeiro, do acervo Design dos 500 anos, da Objeto Brasil.
Que viagem martavilhosa, Gorete! Onde voce foi? Casa dos seus pais ou sogros? Mas esse Ceara me atrai muito e um dia irei visita-lo!
Adorei as dicas dos livros - apesar dos precos bem salgados, vou ficar de olho qdo estiver no Brasil.
Voce voltou com tudo e inspirada. Adorei todos os seus posts! O dos refirgerantes esta otimo, me fez fazer uma viagem no tempo. beijaooo,
Posted by: Fer Guimaraes Rosa | 09-11-2006 at 20:07
Fer, seria formidável, recebê-la, um dia no meu Ceará. Fui ao Juazeiro do Norte, minha terra do coração, onde mora minha mãe. Realmente, não há sensação melhor do que a de voltar pra casa e, lá, encontrar os nossos pais e irmãos. Como meu pai já partiu, quando retorno a minha casa tb tenho a sensação de encontro com sua memória. Bjão
Posted by: Gorete | 14-11-2006 at 10:27