O maior espetáculo da Terra é perceber ou imaginar o que se passa em volta de nós, em todos os setores
Por DANUZA LEÃO
NÃO HÁ NADA MAIS INTERESSANTE DO QUE, num restaurante, olhar para a mesa ao lado – sobretudo quando nela estão só duas pessoas – e definir o tipo de relação que existe entre os personagens.
Não é difícil perceber quando estão apaixonados ou, o que é mais comum, quando só um deles está. O olhar de um homem que ama se nota a distância; ele envolve a mulher, e a maneira extasiada com que ouve – ouve não, absorve – qualquer coisa que ela diz chega a ser comovente. Ele acha graça em tudo, pega na mão, faz um carinho, e o encantamento transparece em cada gesto. Já ela, se não está apaixonada, não disfarça um certo ar vago, de tédio, evita cuidadosamente olhar nos olhos dele, e não consegue esconder uma certa impaciência; uma mulher não apaixonada é sempre rápida ao dizer que não quer sobremesa e nunca toma uma bebida depois do café, para que a noite acabe logo e ela possa ir correndo para casa – a dela, e sozinha, é claro.
Quando é um jovem rapaz jantando com uma senhora num restaurante elegante e da moda, fique certo de que se trata de mãe e filho, e o jantar costuma ser, sutilmente, de negócios. O filho estará propondo à sua querida mãe participar como sócia de um empreendimento fantástico, para o qual já tem o capital necessário, mas ainda precisa de uma módica quantia – só R$ 200 mil – que ela receberá de volta no prazo máximo de um ano; com um bom lucro, aliás, bem maior do que se deixar o dinheiro aplicado num fundo de investimento, como está agora. A mãe vai concordar, é claro, porque mãe é mãe, e nenhuma resiste a uma cantada de filho. Nessa hora esquece-se de que filho – a não ser quando é gay – só costuma levar mãe para jantar fora com segundas intenções; em condições normais, só na churrascaria, no Dia das Mães.
Existem os encontros de fim de caso e também aqueles do primeiro encontro, da curiosidade, da surpresa, do encantamento, do cuidado em procurar as palavras certas, de fazer charme; um casal assim enfeita mais um restaurante do que todas as flores do mundo.
Difíceis são os jantares que se passam em silêncio, porque silêncios costumam ser pesados, sofridos, dolorosos, e incomodam até a quem está na mesa ao lado. Quem já passou por isso se pergunta como – e em nome de que – foi possível um dia suportar um jantar assim. E também como é possível suportar estar com uma pessoa em qualquer lugar, na praia ou na cama, se o outro não está querendo muito estar ali, tratando você como a pessoa mais querida e desejada deste mundo. Sim, porque se for menos do que isso não vale a pena.
Não há nada mais divertido do que perceber – ou imaginar – o que se passa em volta de nós, em todos os setores. Esse é o maior espetáculo da Terra, maior que todas as peças da Broadway, e é natural: afinal, foi assim que todos os autores escreveram todas as obras. Se prestar atenção, vai ver que a coisa mais difícil é ver duas pessoas juntas – sobretudo namorados ou amantes –, conversando e rindo, simplesmente, numa boa.
Essa cena, aparentemente tão simples, é rara – e só por aí já dá para perceber que a vida não é nada simples.
É até mesmo bem complicada.
Danuza Leão é colunista da Folha de S. Paulo
ola
é bom lê-la
Posted by: Maria | 19-12-2006 at 19:00
Ótimo texto!!
Posted by: valentina | 22-12-2006 at 20:20
Cadê voce?Tô sentindo tua falta.
Posted by: valentina | 10-01-2007 at 18:06