Alex é um conhecido jornalista de Recife, que conheço como leitora, desde quando eu era adolescente e morava na cidade Pesqueira, no vizinho estado de Pernambuco. Em minha casa, às vezes, tinha-se o privilégio de se ler o Jornal do Commercio, que meu pai comprava aos domingos. Alex foi colunista social deste jornal durante décadas. E estar na coluna de Alex - naqueles anos dourados de final da década de setenta - era a ambição da society moderna, e a chave que distinguia quem era bacana. Usando uma expressão da época, bacana era ser "chique", e chique era ser citado por ALex.
Mudaram-se os tempos, o mundo mudou. E, numa crônica que escreveu em 1999, sobre aqueles tempos - mas, só hoje tive o prazer de ler -, Alex faz um breve resumo, um lúcido balanço das mudanças que a sociedade do Recife experimentou da década de cinquenta até o final do século passado. Tendo vivido em tantas cidades do nordeste e em Brasília, conhecido suas histórias, sua trajetórias político-sociais, posso assegurar que tais mudanças representaram um processo por que passou toda a sociedade brasileira.
Da crônica, pincei um extrato sobre o que ele fala dos grandes casarões, bangalôs de outrora, das grandes recepções e o seu legado para culinária familar. Voilà:
"Mudou a cidade ou mudamos nós?
por ALEX
[...]
Mudou a maneira ou a qualidade morar. Com o "boom" imobiliário de Boa Viagem, Piedade, Candeias, Casa Forte, Espinheiro, as famílias que antes habitavam os casarões, verdadeiros palacetes, no Espinheiro, Derby, parte da Boa Vista, Aflitos, Casa Forte resolveram fechar os imóveis, alugá-los ou vendê-los e mudaram-se para os apartamentos imensos, modernos, confortáveis, bem mais seguros. Mas, sábios, não deixam de ter suas casas de praia ou na serra, todas com conforto esportivo mas piscina incluída.
Com essa mudança acabaram-se as recepções (inclusive de casamento, depois da igreja) naquelas casas maravilhoas com escadarias em espiral feitas com mármore importado, salas imensas, colossais lustres de cristal (porque o pé direito era alto), móveis antigos, peças de arte, jardins. E com isso deixamos de provar os pratos deliciosos feitos por cozinheiras criadas nas casas das famílias que tinham receitas secretas (vejam o Bolo Souza Leão). As donas das casas tinham um orgulho todo especial de que os convidados provassem aquelas delícias culinárias que só as mulheres da família e as cozinheiras "da casa", de total confiança, conheciam.
Hoje temos os bufês, onde raramente temos variações no molho e no tempero, o sabor é praticamente o mesmo em todos eles. Gostosos, sim, mas tudo tão repetido. Boa comida, sem dúvida, mas sem personalidade. Acabou-se o que era doce e que somente podemos reencontrar em jantares para poucas pessoas, nos apartamentos, onde a arte de comer bem, com todo requinte e tradição é mantida pela escolha pessoal da dona da casa que faz questão de provar um pouquinho de cada coisa a ser servida
[...]. "
Nunca participei, nos anos dourados, de qualquer recepção de grande porte em casa de pessoas ricas, mas lí e ouvi muitos relatos de festas retumbantes de casamentos, debutantes e, até, de inaugurações de casas, envolvendo como convidados, as celebridades da hora, os políticos, artistas, misses, industriais, grandes latifundiários, entre outros; com direito a orquestras, lumusines, tapetes vermelhos, bolos gigantestos, muitas comilanças.
Lembro bem de um casamento que ocorreu na minha cidade, quando eu era criança. A noiva era filha de Zabilo Gadelha, então vice-governador do Estado [Zabilo era tio do deputado Marcondes Gadelha]. Naquela época, o milionário da cidade. O casamento foi um fenômeno de marcos hollywoodianos em grandeza e glamour. Ressalvadas as proporções de cidade provinciana, foi uma inesquecível festa de palácio, na casa mais linda, onde jamais ousaria ou sonharia pôr os meus humildes pés. Naquele dia, o que me coube foi assistir, da rua, ao trajeto que noivos e convidados fizeram, da igreja para o palácio. No sereno, do gradil e muito aquém do jardim, ví desfilar diante de mim os longos, vastos, cintilantes e deslumbrantes vestidos de sonhos; os canapés, que nunca tinha visto nem em figuras, os assados ornamentais, e o bolo lindamente confeitado com glacê durinha e bolinhas prateadas- mas, tudo isso, só para os felizes, e não para os pobres mortais como eu.
Se quiser ler a íntegra da crônica de Alex, vá ao JConline, relembrar, talvez, de muitos episódios de sua cidade. Se é que você também viveu esses anos dourados.
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