Nem posso anunciar, ainda, um retorno definitivo do 'feito em casa'. Há muito me debato com uma correria insana, trabalhos de final de ano, pendências burocráticas, exames médicos, viagens, cursos, hóspedes, etc. e tal.
E, no meio desse turbilhão, considere ainda que tive de quebrar parte do piso de minha casa, inclusive da cozinha. Neste exato momento, o piso dela, da dita cuja, está no reboco, secando, para aplicação da cerâmica. Como está, a cozinha em nada lembra o laboratório de alquimias de outrora. Na casa toda, e em minha cabeça, só ressoa o baticum interminável dos operários, embora, posso garantir que estamos bem próximos da revitalização. O piso novo é tudo que, por enquanto, as condições me permitem fazer. De resto, na aparência vai continuar tudo igual, menos que já tenho uma lista básica de reuniões e confraternizações, para manter o coração de minha cozinha pulsando.
Não sou mulher maravilha. Antes, talvez seja o reverso, a mulher mais enrolada do mundo. Simplesmente porque não consigo assoviar e chupar cana. Como a cozinha, e toda sua extensão - o 'feito em casa', os comes e bebes com os amigos [não o feijão-com-arroz do dia-a-dia] -, é o meu deleite, o meu hobby; faz-me uma tremenda falta quando não posso exercê-lo em minha plenitude. Nesse clima de afobação, não dá para fazer poesia, romantizar o assado mal passado, né mesmo?
Mãs... aqui, ali, acolá, procuro umas trilhas de escape. Para ir escapando mesmo. Vejam só. Semana passada, tomei um susto. Cumprindo uma certa agenda social, inesperadamente, deparei-me com um desses bazares natalinos.
Não sei em que planeta eu estava vivendo, mas só ali me dei conta que já era/é quase natal. Nem houve tempo para uma prévia íntima, uma preparação psicológica, uma inspiração, ou para aquela recordação sempre recorrente de velhos, antigos e inesquecíveis natais com a família e com os amigos. Ou melhor, sequer houve tempo hábil para uma modelagem emocional da fantasia do natal ideal: repleto de cores, luzes, brilhos, gente bonita, roupas lindas, comidas sofisticadas, divinos coros de anjos, sinos badalando, saúde, paz, amor, amizade, compaixão, crianças felizes, de faces rosadas, presentes, grana, e beleza, muita beleza.
Certamente, não estou, como nunca estive em todos os anos anteriores, preparada para este natal - quem sabe, talvez, porque, durante toda a minha vida, quis me convencer de que não há nada de especial nessa data, é uma comemoração como outra qualquer, papai noel não existe, não há provas que o deus menino tenha realmente vivido, e só nos primórdios remotíssimos de minha infância meus pais punham presentes debaixo de nossas redes [éramos mais pobres do que somos hoje e não dormíamos em camas], e, nos restos dos meus anos, não havia qualquer comemoração, uma árvore-de-natal que fosse, uma bola cristalina, nem hosana nas alturas. Talvez seja por tudo isso ao mesmo tempo.
Dentre as poucas lembranças que evidenciavam - lá do meu interior -, que natal era uma festa universal, recordo as ruas repletas de gente bem vestida madrugada a dentro, os bares e restaurantes abertos, os amigos de infância e a missa do galo. No interior, o natal, como todas demais festas populares, quando não havia televisão, cinema, internet, revolucionava as cidades.
Mas, na minha casa, do meu passado, não era bem assim. É certo que minha família é cristã, católica, meu pai foi seminarista, e como falava e cantava em latim, costumava participar ativamente da liturgia das missas, em datas especiais. Afora isso, estranhamente, talvez por descuido, ele não cultivava em casa, em nossos corações, a celebração. Exceto mamãe, que sempre preparava uma ceia íntima especialmente deliciosa - mas não comemorativa - que incluía peru, galinha de capoeira (às vezes ao molho pardo, às vezes assada), farofa, arroz alvíssimo, maionese, um creme de chocolate, tudo regado com guaraná, pois nenhum de nós costumava tomar bebida alcoólica.
Então é isso. Já é fim de ano mesmo, as coisas vão continuar cada vez mais apertadas por aqui. Vou finalizar alguns projetos, mas outros vou continuar procrastinando, empurrando com a barriga. Vou manter a usual maratona aos supermercados apinhados de gente com preços nas estratosferas, vou me perder nos check lists de inúmeros almoços, jantares e amigos-secretos. Vou reclamar dos meus agregados que esperam tudo de mim, sem oferecer qualquer adjutório. Vou reclamar das pilhas e pilhas de pratos que acabo solitariamente lavando. Vou continuar falando que detesto peru, mas continuar fazendo, continuar esbaforida, com canseira, estresse, mas feliz.
Por tantas razões, vou continuar quase ausente deste blog, mas voltando sempre, porque, afinal, é quase natal, e no natal, a gente nunca esquece dos amigos.
Flagrantes das mesas natalinas expostas no bazar do Hotel Tambaú
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