Sempre que vou ao Juazeiro, um dos melhores programas que curto fazer é vaguear pelo mercado, feiras livres, e pela enorme rua São Pedro apinhadinha de gentes, camelôs e de comércio popular. Das feiras livres, gosto, particularmente, por ser uma das manifestações culturais mais antigas praticadas pelo povo, das quais surgiram muitas cidades em todo o mundo. Gosto de observar a dinâmica de sociabilidades, sua hodierna organização e o usos dos seus espaços públicos.
Não obstante a sujeira e o descaso reinantes nos mercados e feiras, ainda podemos experimentar uma sensação de reencontro com o passado e com as nossas origens citadinas, no contato com os brinquedos populares, as ervas medicinais, as bujigangas eletrônicas, o artesanato em barro, a palha e o couro, a gastronomia típica, peças de vestuário e montaria, literatura de cordel, os muitos e muitos gêneros alimentícios (rubacão, galinha de capoeira, cabrito e bode, tapioca, cuscuz, inhame, macaxeira, carne-de-sol, arroz de leite).
Asséptica como sou, esforcei-me inutilmente por fazer vista grossa para a desorganização e amadorismo dos feirantes, pois reconheço a grande contribuição (mesmo sem terem essa consciência) pela preservação de hábitos e costumes ancestrais, principalmente, relacionados com os nossos comeres de antigamente.
Assim como contemplei e apreciei as artes populares, artesanais, resisti a degustar as comidinhas caseiras e aparentemente saborosas, acolhi os sorrisos amistosos, os abraços amplos e generosos, observei, também, constrangida, à depauperação dos nossos costumes tradicionais, vi as feiras livres tornaram-se imundas, desrespeitosas com as pessoas e cruéis com os animais. Os ingênuos hábitos do passado, de degustar uma cabeça de galo, um caldo de cana ou uma buchada num mercado popular, tornam-se impensáveis nas precárias condições higiênicas que se alastram incontrolavelmente. Os açougues dos mercados populares lembram o circo dos horrores, com excreções por todo lado, sujeira, esgotos a céu aberto, moscas varejeiras e parasitas inoportunos sobrevoando a carniça. Vi isso durante décadas aqui em João Pessoa, mas, finalmente, os administradores municipais acordaram para o grave problema do nosso mercado central. Em Juazeiro, apesar de nada ter mudado ainda, pelo menos, vi denúncias na internet, com o mercado pedindo socorro.
De qualquer forma, no mercado de Juazeiro, aqui e ali, encontrava algumas ilhas de prosperidade e dignidade. Procurando umas toalhinhas de chita para a mesa de minha cozinha (infelizmente, não encontrei) ou para cobrir alimentos em travessas e bandejas, vi muitos enxovais bordados à máquina e à mão, belíssimos, bem no padrão das prendas de nossas avós: caminhos de mesa, panos de pratos barreados com croche, os joguinhos americanos em ponto de cruz como o maior modismo, aventais caprichados. Já os vendedores, são um caso à parte - afinal, não esqueçamos que eu estava num mercado ao estilo persa -, aos brados uníssonos, me chamam ora de "senhora, venha ver as peças mais lindas do Cariri", ora de "amor, venha que nós temos o que você procura".
O fato é que nesses mercados sempre se pode ver coisas incríveis, que nem sempre são lugar-comum, nem sempre bregas ou caricatas, onde a monotonia, com certeza, não vigora. Mas, não se enganem, o mercado sonha, algum dia, virar shopping center.
Namorei por vários momentos, indo e voltando, umas panelas e frigideiras grossas - estas, em formato de concha, como as woks asiáticas - de alumínio bem das antigas. Elas custavam cerca de R$ 17,00, mas preferi não trazer. Comprei abano de palha de carnaúba pra churrasqueira R$ 1,00; panos de prato rústicos. Comprei louro, alecrim, endro, coentro, boldo, canela em pau, orégano, etc., tudo a R$ 0,50 cada 100g de erva. E não poderia voltar sem cajuína - o refrigerante, não o licor, de caju - que o marido e o filho tanto adoram. Cajuína São Geraldo é a 'cara' de Juazeiro.
Como presentes, trouxe uma feira na bagagem - não riam - duas rapaduras, dois kilos de feijão de corda para fazer baião de dois, castanhas caramelizadas, balas de coco caramelizados. Quem lembra as antigas latas de leite ninho, quando se tiram os rótulos? Sim, ficam espelhando de limpeza. E eu trouxe duas, cheinhas de doce de leite e mamão com coco. Pau de arara perdeu feio pra mim. Mó mico mer'mão, mas sempre sonhei fazer isso: trazer nas malas e bagagens os aromas e sabores do meu povo, da minha infância, os restos mortais das minhas lembranças que se perdem na estrada da modernidade. Quando me deparo com o arsenal de gororobas do meu interior, esqueço completa e totalmente do meu lado up-to-date, nem que seja por alguns breves tempos.
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Foto: As panelas, iguais às que vi em Juazeiro, são da Feira Livre de Campina Grande.
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