Jane Austen
Jamais li Jane Austen (escritora inglesa proeminente, considerada geralmente como a segunda figura mais importante da literatura inglesa depois de Shakespeare). [Entretanto, nunca é tarde para se ser feliz].
Mas, quando assisti à minissérie Orgulho e preconceito (Pride & Prejudice), transmitida no Brasil por uma TV a cabo, fiquei literalmente encantada com a veia espirituosa e irônica de Austen, a poesia, a magia dos grandes salões, a música, as modas do século XIX descritas pela escritora (as roupas, a ambientação), as tramas tecidas, a leitura que faz da natureza humana, as ironias destiladas através de suas personagens.
Parafraseando um crítico literário, "Orgulho e preconceito é uma meditação brilhante sobre a forma como as primeiras impressões, as idéias apressadas que construímos sobre os outros, acabam, muitas vezes, por destruir as relações humanas".
Jennifer Ehle (Elizabeth Bennet ) e Colin Firth (Fitzwilliam Darcy) na minissérie da BBC.
Protagonizada por Jennifer Ehle e Colin Firth, a minissárie, transmitida pela BBC, fez história com uma excelente adaptação que, além de premiada, chegou a obrigar o parlamento inglês a terminar mais cedo as suas sessões, para que os deputados não perdessem os episódios de Orgulho e preconceito.
Eu poderia ficar horas escrevendo aqui sobre o turbilhão de leituras que, solitariamente, fiz a partir do relacionamento conturbado entre a delicada Elizabeth Bennet e o arrogante Fitzwilliam Darcy, na Londres do século XIX.
Hoje, surpreendentemente, fiquei mais impressionada com o que li daquele colunista. Claro, não sou entendida em literatura, mas as minhas interpretações também coincidiam com sua crítica, como também, a minha forma de enxergar as atitudes feministas/progressistas de Elizabeth Bernnet em seu charme proletário, e a conclusão de que o "amor não sobrevive aos ritmos da nossa modernidade. O amor exige tempo e conhecimento. Exige, no fundo, o tempo e o conhecimento que a vida moderna de hoje não permite e, mais, não tolera".
Ah, e para não faltar uma pequena dose de pieguice, assistam à minissérie e tentem resistir ao olhar apaixonado de Mr. Darcy (Putz, Colin Firth é tudibom!), eu sonhei noites inteiras com aquele olhar arrebatador. Não se preocupem, sonho é apenas uma miragem.
Keira Knightley (Elizabeth Bennet ) e Matthew MacFadyn (Fitzwilliam Darcy) na nova versão de Joe Wright.
Essa lengalenga é só para dizer que não percam:
o romance, que já foi filmado em 1940 (com Laurence Olivier), agora foi refilmado por Joe Wrigth, com Keira Knightley no papel de Elizabeth e Matthew MacFadyn como Darcy. E deve estrear em nossos cinemas a partir de fevereiro.
Jane Austen escreveu:
Razão e sensibilidade (1811)
Orgulho e preconceito (1813)
Mansfield Park (1814)
Emma (1815)
Abadia de Northanger (1818) póstumo
Persuasão (1818) póstumo
Fotos: Jane Austen desenhada pela irmã, National Gallery; da minissérie, Fórum; da nova versão, Cineplayers.
Danças em Orgulho e preconceito.
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Atualizando em 15/02/2007:
"[...] passei minhas três últimas noites vendo na televisão Orgulho e Preconceito, minissérie baseada no romance da Jane Austen, uma maravilha. Cinema e televisão nesta cidade chamam-se Jane Austen, que morreu em 1817. Os filmes baseados em histórias delas hoje são o maior sucesso, estão mais quentes que o Quentin Tarantino. As pessoas aqui lêem muito mais os "scripts" dela: Razão e sensibilidade, Emma, que tem três versões diferentes."
(Paulo Francis, em entrevista inédita, concedida em Nova York há mais de dez anos a Thales Guaracy para a revista Exame Vip)
Via: Revista Cult.
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Vale a pena ler também a crítica de João Pereira Coutinho no link abaixo:
Como Jane Austen pode mudar sua vida
Alain de Botton escreveu um livro sobre Proust para mudar todas as vidas. Bom negócio. Nos últimos tempos, tenho pensado em Jane Austen para mudar a minha. Corrijo. Tenho pensado em mim, no meu bolso e nas histórias de Miss Jane para mudar as vossas. Assim é que é.
Acontece quando um amigo (melhor: uma amiga) entra aqui em casa com lágrimas nos olhos. Problemas sentimentais, por favor, não façam caso. Fatalmente, tenho sempre dois objetos sobre a mesa: uma caixa de lenços de papel e, claro, uma cópia de "Orgulho e Preconceito", o livro que Jane Austen publicou em 1813. Entrego o livro e, com palavras paternais, aconselho: Lê "Orgulho e Preconceito" e encontrarás a luz, meu amor.
Eles lêem e depois regressam, com a alma levantada, mais felizes que Mr. Scrooge ao descobrir que está vivo e é Natal. Inevitável. Jane Austen entendia mais sobre a natureza humana do que quilos e quilos de tratados filosóficos sobre a matéria.
Mas, primeiro, as apresentações: leitores, essa é Jane Austen, donzela inocente que nasceu virgem e morreu virgem. Jane, esses são os leitores (ligeira vênia). A biografia não oferece aventuras. Poderíamos acrescentar que morou com a família até ao fim. Que publicou os seus romances anonimamente, porque não era de bom tom uma mulher se entregar aos prazeres da literatura. E que suas obras, apesar de sucesso moderado, têm conhecido nos últimos anos um sucesso estrondoso e as mais díspares interpretações políticas, literárias, filosóficas, até econômicas. Já li textos sobre a importância das finanças na obra de Jane Austen. Sobre o vestuário. Sobre a decoração de interiores. Sobre os usos da ironia no discurso direto. Para não falar de filmes - mais de vinte - que os seus livros --apenas seis-- suscitaram nos últimos tempos. O último "Orgulho e Preconceito" foi recentemente filmado no Reino Unido, com Keira Knightley (suspiros, suspiros) no papel principal. Vai aos Globos de Ouro. Provavelmente, aos Oscars também.
A loucura é total. Jane Austen mal sabia que, depois da morte, em 1817, o mundo acabaria por descobri-la e, sem maldade, usá-la e abusá-la tão completamente. Justo. Considero Jane Austen uma das maiores escritoras de sempre. Incluo os machos na corrida. Sem Austen, seria impensável encontrar Saki, Beerbohm ou Wodehouse. Miss Jane é mãe de todos.
E "Orgulho e Preconceito"? "Orgulho e Preconceito" tem eficácia garantida para males de amor. Vocês conhecem a história: Elizabeth, filha dos Bennet, classe média com riqueza nos negócios (quel horreur!), conhece Darcy, aristocrata pedante. Ela não gosta da soberba dele. Ele começa por desprezar a condição dela --social, física-- no primeiro baile onde se encontram. Com o tempo, tudo se altera. Darcy apaixona-se por Elizabeth. Elizabeth resiste, alimentada ainda pelas primeiras impressões sobre Darcy. Darcy declara-se a Elizabeth, sem baixar a guarda do preconceito social. Elizabeth não perdoa o preconceito de Darcy e, ferida no orgulho, recusa os avanços. Darcy vai ao "Faustão". Não, invento. Darcy lambe as feridas e afasta-se. Mas tudo está bem quando termina bem: Darcy e Elizabeth, depois das primeiras tempestades, estão condenados ao amor conjugal. Aplausos. The end.
As consciências feministas, ou progressistas, sempre amaram a atitude de Elizabeth: nariz alto, opiniões fortes, capaz de vergar Darcy e o seu preconceito aristocrático. Elizabeth seria uma espécie de Julia Roberts em "Pretty Woman", capaz de conquistar, com seu charme proletário, um Richard Gere que fede a presunção. "Orgulho e Preconceito" seria, neste sentido, um livro anticonservador por excelência, ao contrário de "Sensibilidade e Bom Senso", onde a hierarquia social tem a palavra decisiva. Elizabeth não é boneca de luxo, disposta a suportar os mandos e desmandos do macho. Ela exige respeito. Pior: numa família com dificuldades financeiras, Elizabeth comete o supremo ultraje --impensável no seu tempo-- de recusar propostas de casamento que salvariam a sua condição e a conta bancária de toda a família. A mãe de Elizabeth, deliciosamente histérica, atravessa o romance com achaques nervosos, prostrada no sofá. Se "Orgulho e Preconceito" fosse um romance pós-moderno, a pobre mãezinha passaria metade do tempo suspirando: Esta filha vagabunda vai levar a família toda para a sarjeta!
Elizabeth não cede e triunfa. A família também. E os leitores progressistas?
Esses, não. Os leitores progressistas tendem a ler "Orgulho e Preconceito" como se existissem na trama duas personagens distintas, vindas de mundos distintos, com vícios e virtudes também distintos. Darcy contra Elizabeth, até ao dia em que o amor é mais forte. Erro. Jane Austen não era roteirista em Hollywood. E os leitores progressistas saberiam desse erro se soubessem também que o título original de "Orgulho e Preconceito" não era "Orgulho e Preconceito". Era, tão simplesmente, "Primeiras Impressões".
Nem mais. Se existe um tema central no romance, não é Elizabeth, não é Darcy. E não é, escuso de dizer, o dinheiro, a ironia dos diálogos ou a decoração de interiores. "Orgulho e Preconceito" é uma meditação brilhante sobre a forma como as primeiras impressões, as idéias apressadas que construímos sobre os outros, acabam, muitas vezes, por destruir as relações humanas.
De igual forma, "Orgulho e Preconceito" não é, como centenas e centenas de histórias analfabetas, uma história de amor à primeira vista. É, como escreveu Marilyn Butler, professora em Cambridge e a mais importante crítica de Austen, uma história de ódio à primeira vista. E a lição, a lição final, é que amor à primeira vista ou ódio à primeira vista são uma e a mesma coisa: formas preguiçosas de classificar os outros e de nos enganarmos a nós. Elizabeth despreza a arrogância de Darcy sem perceber que essa arrogância, às vezes, é uma forma de defesa: o amor assusta mais do que todos os fantasmas que habitam o coração humano. Darcy despreza Elizabeth porque Elizabeth é uma ameaça ao seu conforto social e até sentimental. Elizabeth e Darcy não são personagens distintos. Eles são, no seu orgulho e preconceito, personagens rigorosamente iguais.
Jane Austen acertou. Duplamente. Como literatura e como aviso. O amor não sobrevive aos ritmos da nossa modernidade. O amor exige tempo e conhecimento. Exige, no fundo, o tempo e o conhecimento que a vida moderna de hoje não permite e, mais, não tolera: se podemos satisfazer todas as nossas necessidades materiais com uma ida ao shopping do bairro, exigimos dos outros igual eficácia. Os seres humanos são apenas produtos que usamos (ou recusamos) de acordo com as mais básicas conveniências. Procuramos continuamente e desesperamos continuamente porque confundimos o efêmero com o permanente, o material com o espiritual. A nossa frustração em encontrar o "amor verdadeiro" é apenas um clichê que esconde o essencial: o amor não é um produto que se compra para combinar com os móveis da sala. É uma arte que se cultiva. Profundamente. Demoradamente.
Por isso, leitores desesperados e sonhadores arrependidos, leiam Jane Austen e limpem as vossas lágrimas! Primeiras impressões todos temos e perdemos. Mas o amor só é verdadeiro quando acontece à segunda vista.
João Pereira Coutinho, 29, é colunista do jornal português "Expresso". Reuniu seus artigos no livro "Vida Independente: 1998-2003". Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.
E-mail: [email protected]
Fonte: Folhaonline
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