Quarta-feira passada fui, com o professor Melo Neto e colegas do doutorado, conhecer o trabalho de autogestão e economia solidária da Usina Catende, em Catende-PE. Não vou deter-me em questões mais subjetivas da minha paixão por Pernambuco, onde já morei e guardo lembranças queridas. Mas, além das belas paisagens - o lugar é lindo -, conheci uma história intensa em desafios e conquistas de trabalhadores, relações de cooperação, de solidariedade, espírito de luta e de crescimento daquela gente de Catende.
Professor Melo Neto (centro) e alunos do Doutorado em Educação da UFPB.
A Usina remonta ao final do Século XIX. Já foi a maior usina de açúcar na América Latina, chegando a ocupar uma área de 70.000 ha. entre os estados de Pernambuco e Alagoas. Foi proprietária de uma rede ferroviária com mais de 150 kms de extensão.
Usina Catende, pintura à óleo. Quadro de propriedade da Usina.
Hoje, ainda tem 25.000 ha., distribuídos nos municípios de Palmares, Jaqueira, Xexéu e Água Preta, envolvendo 2.500 trabalhadores e uma população de 17.000 pessoas residentes no campo e 2.500 na cidade. Em tempos áureos (1940 e 1950), Catende foi a primeira usina sucro-alcooleira em toneladas em PE e no Brasil; foi também a primeira em toneladas de açúcar exportado.
O projeto de autogestão da Usina surgiu de um pedido de falência articulado por 2.300 trabalhadores rurais demitidos de uma só vez, em 1993. Houve ameaça de retomada das casas e de destruição dos sítios onde eles moravam, o que propiciou a luta pelos direitos trabalhistas e permanência na terra.
Pátio interno da Usina.
Os sindicatos da região juntaram-se num esforço de mobilização. Várias tentativas de negociação foram feitas com a empresa para que ela arcasse com a indenização dos trabalhadores. Ocorreram, também, acampamentos e greves para pressionar o cumprimento do pagamento dos direitos.
No final de 1994 a usina deixou de pagar o salário e o 13º. Isso mobilizou e deu força àqueles demitidos de 1993, com mais 1.500 que ainda detinham o emprego. Em 1998, foi criada a Companhia Agrícola Harmonia, que tem hoje 2.500 associados - trabalhadores demitidos e da ativa, do campo e da indústria.
Professoras do Projeto Catende-Harmonia.
O projeto dos trabalhadores da Usina Catende envolve 48 engenhos/fazendas. Um censo feito em 1998 levantou que 11.804 pessoas moram nessas propriedades. A população economicamente ativa é de 6.225 pessoas, e há 1.670 crianças e adolescentes entre 10 e 15 anos. O patrimônio envolve um parque industrial, uma hidroelétrica que gera energia própria, uma olaria, uma marcenaria, 48 engenhos, um hospital, 7 açudes e canais de irrigação, 26 mil hectares de terras, frota de veículos e implementos, entre tratores, caminhões e enchedeiras, rede ferroviária à margem da empresa, uma bacia hidrográfica com vários rios perenes.
Casa Grande da Usina.
Durante os 10 anos após a falência, os trabalhadores mantiveram a empresa em funcionamento, preservando 1.400 empregos diretos e gerando nas safras, em média, mais de 1.300 empregos temporários.
Assim, milhares de ex-assalariados rurais, demitidos e credores da falência, foram ‘convertidos’ em agricultores familiares. Estes agricultores diversifiam a cultura: criam gado bovino, caprino, ovino e peixe; plantam lavoura de subsistência, café e cana, em cerca de 2.200 ha.
Saiba mais sobre o Projeto Catende-Harmonia.
Veja as fotos que fizemos durante a visita.
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Vou Danado pra Catende
Alceu Valença
Ai
Telminha
Ouça esta carta
Que eu não escrevi
Por aqui
Vai tudo bem
Mas eu só penso
Um dia em voltar
Ai
Telminha
Veja a enrascada
Que fui me meter
Por aqui
Tudo corre tão depressa
As motocicletas se movimentando
Os dedos da moça
Datilografando
Numa engrenagem
De pernas pro ar
Eu quero um trem
Eu preciso de um trem
Eu vou danado pra Catende
Vou danado pra Catende
Vou danado pra Catende
Com vontade de chegar
E o sol é vermelho
Como um tição
Eu vou danado pra Catende
Vou danado pra Catende
Vou danado pra Catende
Com vontade de chegar
Mergulhão, mucambos, moleques, mulatos
vêm ve-los passar
Adeus, adeus, adeus
Adeus morena do cabelo cacheado
Maribondo sai da mata
Que lá é casa das caiporas
Caiporas, caiporas, caiporas