Sempre que leio ou escuto alguém recitar os versos de Augusto dos Anjos, enaltecendo o pé de tamarindo - sob cujos galhos ele aprendera as lições com o pai e escrevera os seus primeiros versos -, lembro do tamarindo da minha infância. Verde, imponente. Ficava em frente da casa grande, antiga e branca, da Barra, o sítio dos meus avós. Ficava, não. Ainda fica. O tamarindo permanece vivo, presenciando a passagem das gerações de nossa família. Nunca soube quem o plantou. Mas quem o fez deixou-me uma sentinela, presente, a me acompanhar os passos, na senda de minha vida.
Sua imagem é indissociável da casa branca da Barra, das minhas lembranças de infância. Lembrarei sempre que preciso for, quando sentada sob o enorme alpendre, contemplava comovida sua copa, seus amplos braços verdes planando e roçando o vento do Aracati.
Não há cartão postal que se compare às minhas alvoradas cor-de-rosa, aos raios do meu sol particular que, tal como fios de ouro, tecia minhas inesquecíveis manhãs por entre-galhos do tamarindo. Sob a sua sombra, protegia-me do calor do meio dia. Sob sua ramagem, abrigáva-me da chuva. Quantas vezes, sob a sua copa, abria a saia para aparar seus frutos. E do teu ácido tartárico hidratava minha boca, matava minha fome. Em seu tronco, gravei meu nome, escalei, cacei ninhos de passarinhos (coitados!). E vi tantos ocuparem o meu espaço íntimo, onde visitantes amarravam seus cavalos e transeuntes, cansados da lida e da estrada, faziam sua parada.
Meu tamarindo sagrado, testemunha muda de segredos invioláveis do meu povo. Quantas histórias, causos e folclores misturados à tua imagem. Jamais esquecerei dos vagalumes, circundando-te na escuridão da noite. Nem das lendas de almas penadas que circulavam teu perímetro. Jamais, em tempo algum, esquecerei de tuas asas roçando a brisa, nem de tuas folhas cobrindo o meu chão. Jamais.
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Debaixo do Tamarindo
Augusto dos Anjos
No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos.
Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos,
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da Flora Brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!
Quando pararem todos os relógios
De minha vida, e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,
Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade
A minha sombra há de ficar aqui!
Posted by: rosangela | 16-07-2007 at 09:40
Posted by: Adriana | 04-04-2007 at 20:51
Posted by: Celia | 17-03-2007 at 18:17
Posted by: Celia | 12-03-2007 at 09:44