Seis do angelus, e estou só em casa. Aliás, com Xano. Vejo as brumas assomando-se à minha volta. Acendo luzes. Não temo o escuro. O silêncio, o vazio desta hora, é que me incomodam. Sinto que algo de transcendental acontece na transição entre as trevas e a luz.
Saudade do filho que partiu, com sua galera, em busca dos prazeres do carnaval. Saudade, com um misto de inquietação. As estradas andam perigosas. As interações humanas, idem. Viver e andar por aí estão se tornando perigosos. Ainda bem que ele me ligou, dizendo que já pisou em terra firme. Nessas horas, lembro d'umas coisas que lia, em tempos passados, sobre filhos, de Khalil Gibran (alguém lembra?), e mal podia entender por que os filhos não são dos pais.
Mas, Xano entende o que sinto, pois ele me afagou agora com seu pelinho macio.
Continua silente por aqui. Então, ligo meu mp3 gratuito. Agora tem luz e som. O que vem dele não é fortuito. Nestes últimos dias eu só tenho ouvidos para Gladiator Theme, com Enya, que já escutei trocentas vezes, repeat, repeat, repeat. Não me incomodo de furar o disco e, depois, nem suportar ouvir mais. Uma música com Enya (ou com Era), que diz now we are free emoldurando o mar mediterrâneo, só pode nos levar ao nirvana.
Dou-me conta que hoje é uma sexta incomum, pré-carnavalesca. Dia que já me fez o maior sentido, num belo passado. Normalmente, eu estava com a cosmética e as fantasias todas prontas [uma para cada dia de momo], a mesa comprada no clube, a minha casa [era o quartel general] cheia de jovens foliões felizes, enlouquecidos e lindos de viver, prontos para os bailes de carnaval.
No meu entorno, a população toda vai curtir o feriado, e ninguém, pelo jeito ficou em casa. Minha rua já está quase deserta. Cada um vai sempre pr'algum lugar. A maior parte foi pra suas casas de praia. Hoje, na cabeleireira, não havia uma só pessoa que não estivesse programando sair para viver. Nossas praias vão estar bombando nestes feriados, Lucena, Coqueirinho, Jacumã, Tambaba. Muitos também vão à Pipa ou Olinda, que faz um carnaval dos deuses.
E eu, ou nós, vamos ou ficamos? Ainda estou na dúvida, se sairei de casa, apesar de ter feito reserva num hotel legal em Campina Grande, somente para descansar (lá não tem carnaval). É que não houve consenso quanto ao destino. Ainda não sei se vou, se fico, se afronto os dissidentes...
Por enquanto, começo a pensar no carnaval, o banzo se dissipa. Mas agora passa das seis, quase sete da noite. Enya me dá um tempo. Now we are not free. Vou preparar o jantar dos humanos e o de Xano. Ligar a TV. Jantar. Discutir a questão: viajar ou ficar coçando os ovários? Arrumar a cozinha. Internetar. Iniciar o ciclo vicioso...