Não tem preço.
Ver Naiana lavar a louça à beira do açude, ao amanhecer, foi quase o mesmo que viajar no tempo, rever minha avó Otília agachada, lavando roupa da família no velho açude da Barra, há mais de quarenta anos, em tempos felizes. Enquanto ela, minha avó, lavava, eu ficava por ali, me banhando, mergulhando, brincando com as piabas, fazendo bonequinhos e panelas de argila, ou pelos arredores, procurando ninhos de passarinhos e abrindo as melancias que encontrava além do sangradouro.
Minha avó nem tinha noção que me deixaria essa lembrança para séculos sem fim, amém.
As imagens de minha avó, ora com a trouxa de roupa na cabeça, ora com suas roupas completamente molhadas, com as roupas quarando ou secando ao sol, coloridas ao vento, estendidas nos arames das cercas, evocam todo um passado de costumes e hábitos quase desaparecidos, até mesmo pelo interior.
Essas imagens também me trazem, em cadeia, antigas lembranças de uma figura bem presente nas nossas vidas, em décadas passadas: a lavadeira. Hildergardes Viana fala muito bem da personagem que realizava um dos trabalhos mais árduos, e que eram não somente lavar, mas ainda, passar (engomar) roupa, como profissão.
Minha avó não lavava "pra fora", mas apenas a roupa da família - naquela época, 13 filhos e mais alguns netos. Com sabão em barra (que ela mesma fabricava) e anil. Não existiam a água sanitária, nem amaciante. Para retirar as sujeiras mais difíceis, ela costumava bater a roupa na pedra.
Algumas fazendas não possuíam tanques ou lavanderias, porque não havia água encanada. As mudanças vieram pouco a pouco, mas não sei ao certo o que veio primeiro, se os poços artesianos ou a energia elétrica, trazendo inovações como as máquinas de lavar roupa. Assim, felizmente, minha avó não lavou roupa em açude a vida toda.
Ao falar em lavadeiras, outra lembrança muito forte que me ocorre é a da minha mãe, que foi, desde que se casou, uma dona-de-casa, mas morava na cidade. Como nos primeiros tempos as nossas casas eram simples, a maioria das casas do interior, não tinham lavanderia. A nossa roupa era lavada e passada, literalmente, pelas lavadeiras. Havia os dias certos para tal serviço, assim como, um certo ritual. Era comum juntar-se a roupa suja em sacos feitos especialmente para esse fim. Os de minha casa, eram sempre de algodão, branquinhos, personalizados, com alegres bordados, em que se viam, geralmente uma camponesa ou cenas campestres. Os sacos tinham, quase sempre, dois bolsos externos, um para lenços e outro para meias, e ficavam pendurados na parede do quarto como parte da decoração.
No dia marcado, quando a lavadeira vinha buscar a roupa, minha mãe dobrava um lençol ao meio e o estendia no chão, onde esvaziava o saco e amontoava a roupa sobre o lençol, à qual juntava as barras de sabão e o anil para alvejar a roupa; e depois, amarrava as quatro pontas do lençol, formando uma trouxa. A lavadeira seguia porta a fora com a trouxa erguida na cabeça. Passavam-se dois ou três dias, e ela retornava com a roupa lavada, engomada, normalmente, a ferro de brasa, e dobrada.
Os tempos mudaram tanto. Até mesmo as últimas lavanderias coletivas, que ainda resistem nas pequenas cidades, ameaçam desaparecer, reduzindo mais uma - ou a única - fonte de renda e trabalho para as mulheres - um trabalho precário, não legalizado e penoso. Nos sítios e fazendas, embora as lavanderias já sejam constantes, ainda se vêem muitas lavadeiras lavando roupas em açudes. Nas cidades, com a disseminação das brastemps e dos tanquinhos, a mulher vai, paulatinamente, desistindo dessa atividade braçal.
Foto minha: Naiana lavando louça no Riacho do Barro.
Ilustração: As lavadeiras faziam assim, Jangada Brasil.
Posted by: Patí Costanti | 10-10-2008 at 19:53
Posted by: Patricia | 10-10-2008 at 13:58