Desde ontem, chove muito aqui. E, quando isso acontece, eu lembro sempre das minhas chuvas (in)anteriores.
Regresso ao tempo em que minha mãe, viva, preocupava-se com as calhas, as goteiras da nossa casa; com as nossas cobertas (a estação de chuvas no nordeste é acompanhada de leve frio na madrugada) e confeccionava, ela mesma, os nossos pijamas de flanela e florezinhas.
Lembro das ruas alagadas de Sousa, das enchentes do Rio do Peixe, do grande vendaval que passou no final da década de sessenta, arrasando tudo, derrubando árvores, telhados, sibilando sua fúria - enquanto, trancafiados, em casa, aguardávamos a calmaria que sempre sobrevem.
Recordo a Barra inundada, a correnteza do riacho em sua pujança, os remansos, as mangueiras molhadas, o cheiro de milho verde, de terra molhada, e o verde do milharal resplandecendo as cores felizes do arco-íris.
Rememoro os banhos de chuva nas ruas de minha infância, em Sousa, em Guarabira, sob o jato das biqueiras (toda casa tinha uma), de calcinha, depois de short e, até, de maiô. E na Barra, com as tias, sob a chuva torrencial, em rodopios, saltávamos poças e cacimbas, e, indiferentes aos relâmpagos e trovoadas, braços abertos em hélices, cortávamos a brisa, abraçávamos a chuva, a quem oferecíamos nossos rostos, sorvíamos suas lágrimas. Em perfeita sintonia com a natureza, consagrávamos nossos corpos encharcados, mas impetuosos, embriagados - à deusa chuva.
Quem não tem a chuva como lembrança de uma despedida, de um reencontro, ou de um primeiro encontro? Também tenho uma dessas relembranças, de quando morava em Brasília. Depois de um desentendimento com E., o meu filho ainda era criança, eu o peguei no colo e fui chorar as pitangas na casa de uma amiga. Ao sair, o tempo estava bom. Mas, mudou, e começou a chover ruidosamente, com ventos fortíssimos, relâmpagos e trovoadas, arremessando granizos [quem vive em Brasília está habituado a esses fenômenos]. E, eis que... Dim-Dom!!!! Quem aparecia na porta, encharcado, em prantos? Meu digníssimo marido. Num ímpeto de arrependimento, enquanto chorava copiosamente, e as lágrimas se fundiam com a chuva, ele falava, trêmulo: "Querida, perdão, eu te amo, esqueça tudo; a minha vida vida não tem sentido sem você e nosso filho". Nossa amiga M.H., frequentemente, ainda relembra aquele momento. Fala pra ele: "E., aquela foi a declaração de amor mais sincera que já presenciei. Até hoje, me emociono, ao lembrar você todo molhado da chuva, dizendo ''eu te amo', pedindo perdão".
Sempre que chove, também eu, lembro daquela cena e daquela chuva.
Recentemente, minhas chuvas interiores são bem mais amenas, reais, sem arrebatamentos, ainda que povoadas de lembranças felizes, queridas, inesquecíveis. Já não saio à rua para banhos de chuva (quem dera), já são raros os invernos molhados na Barra da minha lembrança, já não posso contar com o agasalho materno.
Nas chuvas do tempo presente, estou sempre - e felizmente - em casa com E. e P., aquecida, agasalhada. Neste tempo, o calor esmaece, desligamos a refrigeração do ar, mas abrimos as portas de par em par, para apreciarmos o jardim úmido, a água escoar pelos canos, e deixar entrar a melodia que vem das calhas, do telhado. Agrada-nos ficar recolhidos, e fazer as coisas mansamente. Como hoje. Acordamos tarde. Lemos os jornais. Tomamos o Lavangarde argentino que guardamos para essas ocasiões. Fizemos uma massinha quente, para acompanhar, ao som de um bom tango de mi buenos querido. Até que o P. acordou.
Agora, diga-me, quem, quem não aproveita suas chuvas interiores para traçar planos, sonhar, recolher lembranças, faxinar gavetas, reconsiderar, se reconciliar?...
Quando chove, o melhor a fazer é aproveitar o clima, curtir - de preferência com parceiro -, a intimidade, o frio, o barulho da chuva; preparar uma comidinha dos deuses - um chá, uma massa, um queijo-com-vinho -, acionar um roberto-carlos ou um tango de piazzola na vitrola, vale até um silêncio significativo. Eu prefiro new-age, mas se o fundo musical for a chuva, tanto melhor. Acrescente um cobertorzinho de orelha safadinho "bordado em poesia, rosa e vinho". Também vale, e, se pintar, uma bela transa... aí, é só comer/amar e rezar pra essa chuva não parar.
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TEMPORADA DE INVERNO
Está aberta a temporada do inverno
tenho a oferecer mantas acolchoadas
bordadas com poesias em rosas e
vinho,
de aconchego, um coração feito lareira
repleto de brasas de amor e
carinhos.
Tenho românticos sonhos, leves e
brancos
que enfeitam as noites como neve de algodão.
São flocos de emoções e sentimentos
verdadeiros
para compartilhar com um sonhador coração,
ofereço a grande
amor, você aceita?
de Thayane Rangel.